Mil Tsurus e a Serenidade do Fim.

Jorge- Parque Ibirapuera

Os netos dobraram mil Tsurus. Cada dobra era um sopro de esperança, não mais pela cura, mas pela paz. O desejo deles não era o milagre que a medicina já não podia prometer, mas que a avó, prestes a completar 96 anos, tivesse uma travessia serena.

Matriarca que pouco falava português, ela trouxe do Japão as tradições que moldaram filhos e netos — polidez, calma, confiança. Virtudes que, mesmo dentro da internação hospitalar, preenchiam o quarto com uma delicadeza quase palpável.

Era uma vida que até pouco tempo dispensava visitas médicas frequentes. Como geriatra, lembro do seu jeito disciplinado, do apetite voraz que fazia rir, do esquecimento manso que não a impedia de viver bem, cercada pelas cuidadoras e pelos filhos e netos que se revezavam ao seu lado.

Até que veio a queda. Uma fratura de vértebra, reparada às pressas com cimento, mas que deixou uma dor difícil de domar. Desacostumada com tantos medicamentos, ela não encontrou paz nos remédios para a dor, que a sedavam mais do que aliviavam. O leito, que nunca fora seu lugar, virou prisão. Vieram infecções de repetição, a arritmia latente se agravou, e a síndrome de fragilidade avançou depressa.

Houve várias internações hospitalares. Na última, uma infecção urinária parecia ter cedido, mas logo se transformou numa pneumonia que o corpo, já tão frágil, não conseguiu conter.

Foi então que eu, como geriatra, junto do Dr. Gabriel, especialista em cuidados paliativos, estivemos com a família. Decidimos juntos respeitar o tempo do corpo. Optamos pelo cuidado que fosse digno, silencioso, cheio de afeto.

Ela partiu assim, envolta na serenidade, sem dor. Na presença dos filhos, dos netos. E agora, os mil Tsurus voam com ela, levando consigo o legado de uma vida inteira.

Ali, entendi — como geriatra — que a internação hospitalar pode ser cenário de despedida, mas também de profundo encontro humano.