Quando um idoso frágil deve andar durante uma internação hospitalar.

Ele murchou na hora ali parado de frente para um vidro. Suas olheiras denunciavam uma noite mal-dormida acompanhando sua mãe no pronto-socorro, que afinal fora internada. 

O tom dele era de obviedade quando ele fez a pergunta para a enfermeira, já recebendo o plantão noturno. A resposta dela, teve a mesma obviedade, um sonoro não. 

Fico me perguntando onde fica o limiar da segurança que foi ultrapassado, quem foi que o fez? Foi esse filho bem intencionado, foi a enfermeira bem treinada? Vi nesse dilema que ocorre aprisionado dentro das nossas instituições de saúde (que salvaram milhões de vidas  anualmente) um dilema de quem é que está fazendo o melhor pela pessoa idosa. 

Nas placas sinalizadoras dentro dos quartos, de todos os hospitais que visito, vejo placas indicativas: “alto risco de quedas” “risco nutricional” “isolamento de contato”e assim por diante. Por ações direcionadas a avaliar pessoas em risco, muitas ações de saúde melhoraram esses riscos que diariamente acontecem. 

A pergunta era simples, e realmente óbvia. “Posso levar a minha mãe para andar nos corredores do hospital? Ela está cansada do quarto, e começou a se recuperar depois dessas 24h de internação, se sente mais disposta”

Conforme o protocolo de prevenção de quedas da Anvisa, “Quedas de pacientes produzem danos em 30% a 50% dos casos, sendo que 6% a 44% desses pacientes sofrem danos de natureza grave, como fraturas, hematomas subdurais e sangramentos, que podem levar ao óbito.5 A queda pode gerar impacto negativo sobre a mobilidade dos pacientes, além de ansiedade, depressão e medo de cair de novo, o que acaba por aumentar o risco de nova queda”

Possivelmente a enfermeira estava bem treinada nesses protocolos, que têm abrangência nacional, e tem uma função vital de trazer maior segurança para números assustadores como esses que mencionei acima. A chance de um idoso frágil cair, comparado a um idoso que não tem fragilidade, é da ordem de 3x mais. Isso sem estar internado. Os idosos frágeis contam por mais de 40% de todos os indivíduos idosos internados em hospitais. 

Mesmo sabendo disso, o não da enfermeira, apesar de convicto continha uma confabulação que a vi balbuciar sozinha na sequência… “vamos com calma, ela acabou de internar, tem que ver se o antibiótico está funcionando, precisamos ver como serão os próximos dias”. Vendo essa cena, continuei questionando, quem está fazendo o melhor pelo paciente? Confesso que ainda não amansou dentro de mim o que aquilo poderia significar, para uma boa condução de caso para nós geriatras

Fiquei sentindo falta de que ela dissesse: “Puxa que bem que ela está melhor. Logo mais vou passar visita e posso avaliá-la. Se estiver bem, peço para a fisioterapia acompanha-la nesta primeira volta. Será uma ótima primeira vitória.” Senti falta que ele dissesse: “Compreendo seu ponto de vista, mas sinto que ela tem sim condições de andar. Temos alguma maneira de que ela seja avaliada mais profundamente?” Senti falta de ser a médica desta paciente, para que eu pudesse intervir, avaliá-la para que essa etapa fosse cumprida. Mas melhor ainda, que um hospitalista fosse acionado para tomar essa decisão em conjunto. Fiquei sentindo falta deste estudo que conta que mobilizar precocemente o paciente melhora sua função física e até a sua função cognitiva diminuindo os problemas desencadeados pelo adoecimento.  Quanto antes agimos e mobilizamos os pacientes, tanto melhor. 

Penso que neste momento crucial da humanidade, em que atuo como geriatra, e envelhecemos a rodo, estar conectado ao indivíduo idoso é uma potência que carregamos em todos nós, escutando, olhando e fazendo com que ele prospere e siga inserido com plenitude à sua vida.

Com carinho daqui para aí. 

Dra. Sumika Mori, Geriatra (CRM: 112.134/SP)